quinta-feira, 26 de outubro de 2023

hoje vou plantar uma trepadeira

 A mulher da ponte vermelha

que por acaso estava
há três assentos de mim
falando sozinha reclamando alto
recebendo olhares mesquinhos
e os retribuindo no ato
A mulher da ponte vermelha
me parou no sinal
atrás de outro sinal
que a fizesse parar
as condições me fizeram
falar más notícias
a pressa do cotidiano
me fez correr
para lá na frente
me fazer parar
e falar para.
A mulher na ponte vermelha
a escada mais próxima
que não seria a primeira
mas a levaria ao seu destino.
A mulher na ponte vermelha
me pediu dinheiro
me pediu internet
me pediu conselho
no bolso eu tinha a ultima moeda
eu andava querendo uma trepadeira
na manhã do mesmo dia
quase roubo uma da vizinha
olhava pela janela e via
trepadeiras e mais trepadeiras
na parede em frente a minha.
A mulher na ponte vermelha
tinha duas sementes no bolso
duas sementes de trepadeiras
"tu me dá a moeda e eu de dou
as sementes
que EU SEI que é
o que tu quer MESMO".
A mulher na ponte vermelha
Sumiu na ponte
sumiu no corredor
E as trepadeiras
Cresceram voltadas pro norte
Onde fica a ponte vermelha? 


terça-feira, 24 de outubro de 2023

 tenho pra mim

que tenho sonhos

maiores do que ver

uma baleia


- maiores talvez que uma baleia?


tenho pra mim também

que de onde vem

é pra onde vai

e onde eu tô?


-


perguntas à toa....

perguntas boas...

perguntas tolas..

que são grandes.


- e grandes perguntas dão onde?



domingo, 11 de outubro de 2020

 ipê amarelo

o ano é curto

ajuda a entender

a vida passar

a bússola quebrou

o tempo se partiu

pela travessa ficou


ipê amarelo

faz de mim teu espelho

ultrapassa minhas espectativas

mesmo as não correspondentes

ancora agora no que for de bom

sinaliza a mudança

me re-ensina a andar


ipê amarelo

onde tu escondeu

a beleza do sol?

me guia pelo modelo

exemplar da magnitude

completa da beleza

que tu aprendeu

com quem tu espia


ipê amarelo

no mapa das tuas folhas

consigo ver o amanhã

pelos galhos correm

o ontem 

as folhas que demoram a cair

é o hoje que nunca se vai


ipê amarelo

o fim disso

pode ser 

teu recomeço

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Frestas invisíveis arrancam o pregar dos olhos 

Estampam na televisão imaginária 

Tudo que o gozo limita em face súbita 

A superfície labial se nega a encostar em si 

E nenhuma aresta é capaz de suportar 

O peso da negação  

Algumas primaveras acontecem sorrateiramente 

Passam-se anos e ninguém sente o cheiro das flores 

Os bichos não envelhecem e os relógios  

De alguma forma insistem em voltar ao mesmo lugar 

Os reencontros antes de acontecerem pegam o trem 

O lugar de destino final tem espelhos e setas 

Não há fórmula televisiva nem industrial 

O que resta é mover-se a lágrima e suor 

Enquanto se espera o diferente desabrochar das rosas


sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

entre três estrelas eu me pergunto como vim parar aqui
durante algumas navegações pude ver que a força da maré distingue a velocidade
- por tanto o tempo-
da viagem e com isso é impossível prever abraços

abraços tu
abracos eu

abraços que entrelaçados sem razão e por vontade
insistem e temer a verdade de cor bonita
cor que acalma e diz que tudo que aconteceu tinha que acontecer e que por este motivo estamos aqui
abraços que falam sem que haja um chamado sem que haja um passado
sem que haja uma espécie de busca ou necessidade

domingo, 8 de dezembro de 2019

a pele cai, a pele escapa
ela fere e ultrapassa
resseca e depois revive
com marcas, explosões
cada camada tem seu álibi
para exercer totais tudo
e excessivamente nada

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

o menino acorda com grito
atravessa avenida
corre dos tiros
escuta xingamentos
- tudo isso pra chegar na escola..
compra xilito
tá sem lápis, caderno
mas quer estudar
no intervalo pergunta
- tia, deus sabe que eu existo?
acabou a aula
passa na praça
joga bola tira a blusa
aprende a dançar
- espero que minha mãe não veja
chega em casa pede a bença
pergunta o que tem pra jantar
carne arroz feijão e ainda tem dindim
pega o celular pra jogar
- já a mãe me manda dormir
o menino acorda com grito
atravessa a avenida

domingo, 1 de dezembro de 2019

cresce que nem raiz das mangueira lá do sítio

aprendi a guardar fragmentos nos formigueiros
pra eu poder ter motivo pra voltar depois da chuva
é importante meter a mão até o ombro
na tentativa de resgatar  memória
quando todo mundo da minha família fazia isso
era sagrado o cochilo no alpendre de vó
aprendi a catar coisa boa no mato
enquanto pegava bicho de pé
e corria atrás dos lagartos

o rolamento da vida mora na lagoa
que fica por trás do sítio
às vezes durante a noite a gente ouvia
alguém futricar nas águas
metade ficava com medo
a outra queria ir futricar também
na dúvida um cigarro era aceso
respeitando o sono dos maribondos
e a conversas dos sapos 

sábado, 7 de setembro de 2019

vejo e não é de hoje.
na época dos cajus as coisas tendem a acontecer:
um despertar que acontece rasgando da noite pro dia começa a coçar:
a percepção grita no pé do ouvido
conferenciando o que não se pode ser visto e deixando tudo com um ar de preparação:
saltar de paraquedas, sofrer um quase acidente, ir pra um local desconhecido, distante e sozinha:
chegar nesse local desconhecido, distante e sozinha:
perceber que você estava lá,  tem até fotos e digitais espalhadas pelas paredes:
paredes que se falassem já teriam dito pra sair de lá