Desde pequena ficava na ponta dos pés sempre que parava na
praia pra tentar ver onde era o fim mas nunca conseguia. O último domingo do
mês eram os dias mais esperado por mim, saia de casa antes da sete pra chegar
na praia antes das oito pra sair antes das três. Entre antes das oito e antes
das três o tempo era mar. Infinito. Eu tenho a memória fresca de todas as vezes
que me perdi enquanto as ondas enterravam meus pés na areia.
vi sentimento pulando as ondas
tinha uma perna maior que a outra
dava mergulho e ia pra outra ponte
de ponte em ponte ia embora
voltava um mês depois
agora a outra pena tava maior
sentimento bicho estranho
brincava de esconde esconde
sem eu nem me mexer
Às vezes a ausência de fundamentos te faz pairar numa
superfície cheia de cacos coloridos. Fiquei dois anos sem ir à praia, três.
Quatro. Perdi, quando comecei a andar pela cidade, em alguma esquina um pedaço
do movimento que me deixava sã. Perdi dois, três. Quatro.
chove chove chove
nada me separa dos intervalos
das gotas
das horas
dos dias
dos dedos
dos olhares
de mim
Alguns pedaços ficaram grudados em solas de sapatos. Um
longo intervalo sem o que te alimenta. Pensei que pudera eu voltar ali como se
nada tivesse acontecido e voltar inteira como eu era. Lástima cômica. Perdi um
dos sentidos quando o sentimento tomou banho de mar comigo e não foi pro outro
lado do espigão.