domingo, 29 de maio de 2016


buraco com fundo distante
sem amor tecimento

buraco dança sem batom


                                               sem batom
                                                                    sem batom
                                               sem batom


Desde pequena ficava na ponta dos pés sempre que parava na praia pra tentar ver onde era o fim mas nunca conseguia. O último domingo do mês eram os dias mais esperado por mim, saia de casa antes da sete pra chegar na praia antes das oito pra sair antes das três. Entre antes das oito e antes das três o tempo era mar. Infinito. Eu tenho a memória fresca de todas as vezes que me perdi enquanto as ondas enterravam meus pés na areia.

vi sentimento pulando as ondas
tinha uma perna maior que a outra
dava mergulho e ia pra outra ponte
de ponte em ponte ia embora
voltava um mês depois
agora a outra pena tava maior
sentimento bicho estranho
brincava de esconde esconde
sem eu nem me mexer

Às vezes a ausência de fundamentos te faz pairar numa superfície cheia de cacos coloridos. Fiquei dois anos sem ir à praia, três. Quatro. Perdi, quando comecei a andar pela cidade, em alguma esquina um pedaço do movimento que me deixava sã. Perdi dois, três. Quatro.

chove chove chove
nada me separa dos intervalos
das gotas
das horas
dos dias
dos dedos
dos olhares
de mim


Alguns pedaços ficaram grudados em solas de sapatos. Um longo intervalo sem o que te alimenta. Pensei que pudera eu voltar ali como se nada tivesse acontecido e voltar inteira como eu era. Lástima cômica. Perdi um dos sentidos quando o sentimento tomou banho de mar comigo e não foi pro outro lado do espigão.  

segunda-feira, 16 de maio de 2016

(...) você enxerga o buraco
sabe que é um buraco
o que aquele buraco
aquele buraco
pode fazer com você
você viu o buraco
tá vendo
o buraco dança
tira o batom
o buraco não é um bicho
ele bate na tua cara
você tenta sumir
foge das bordas
mas você sabe
o que o buraco
pode fazer
você pega na mão dele
na beira da praia
e beija o buraco
você sabe que é um buraco
e por isso gosta

você ama o buraco (...)

domingo, 15 de maio de 2016

há algo dentro de mim
que queima
        queima
         queima
e cai
c
  a
     i
feito uma folha de uma árvore
em chamas
chamas

chamas

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Somos feitos de passados
Rimados ou descompassados.
Passados.
Escárnios cintilantes.
De onde é que saiu tudo isso?
O flagrante falho é vero ato.
Verdade fantasiosa.
Condição primária de ser.
Por que eu não sei parar?
Mãos adorno do outro.
Cegueira imediata.
Coração confundido com
Pera.
O que mesmo?
Acumular, acumular.
Esvair verdades uteis.
Despir de medos.
Despir de medos.
Tirar a máscara de trás da cabeça.
Continuar sem respirar.
Acumular ar.
Somos feitos de passado.